Em mutirão, 39 pessoas trans retificam registro civil

Com muita emoção e comemoração, ocorreu no sábado (28) o 1º Mutirão de Retificação de Registro Civil de Pessoas Trans, no Centro Cultural Casa das Pretas, na Praça da Mandioca, centro histórico de Cuiabá. No evento, promovido pela Defensoria Pública e movimentos sociais, 39 pessoas trans deram entrada no processo de mudança de nome e gênero na certidão de nascimento.

Após receber a orientação no mutirão, as pessoas trans vão levar toda a documentação, já conferida, ao cartório (a retificação pode ser feita em qualquer tabelionato) para efetuar a alteração do nome e/ou do gênero. O prazo para a nova certidão ficar pronta varia, dependendo de onde foi feito o registro civil originalmente. O cartório vai avisar assim que o documento atualizado estiver disponível para ser retirado.

O mutirão contou com a presença do defensor público-geral, Clodoaldo Queiroz, do corregedor-geral, Márcio Dorilêo, das defensoras Danielle Dorilêo, Rosana Leite, Olzanir Figueiredo Carrijo, Tânia Vizeu e Juliana Crudo, do ouvidor-geral, Cristiano Preza, além de Jan Moura, secretário-adjunto da Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer (Secel-MT), e diversos representantes de movimentos sociais que lutam pelos direitos das pessoas trans.

“Hoje, as pessoas têm a liberdade de escolherem os nomes pelos quais querem ser reconhecidas e os gêneros pelos quais se identificam, e têm o direito de registrar isso na sua certidão de nascimento. Esse direito foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal”, explicou Queiroz.

Desde 2018, após decisão do STF, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou, por meio do Provimento 73, que os transgêneros podem fazer a troca de nome e gênero em sua documentação sem a necessidade de uma ação judicial. Também não é necessário ter feito cirurgia de redesignação sexual ou tratamentos hormonais.

“Elas estão saindo muito felizes, muitas estão chorando de alegria. A partir de agora, é a vida que elas precisam ter, com respeito, dignidade. Só o fato de vê-las dessa forma já mostra que tudo valeu a pena”, afirmou Danielle.

Segundo a defensora, um dos objetivos do mutirão foi divulgar o direito das pessoas trans de fazer essa retificação no registro civil diretamente no cartório. Quem não conseguiu participar do mutirão, pode procurar qualquer Núcleo da Defensoria Pública no estado para obter, de forma gratuita, a certidão atualizada.

“O nosso nome é o nosso diferencial, mas também é a nossa dignidade. Com essa ação, elas querem mostrar para a sociedade quem elas de fato são e como elas querem ser reconhecidas”, destacou Rosana.

Muitas participantes ficaram emocionadas e choraram ao efetuar a alteração. Mesmo que existam taxas cartorárias para atualizar a certidão, a Defensoria Pública pode solicitar a alteração sem qualquer custo.

“É uma coisa que eu esperava há muito tempo. Já sofri muita coisa. Tanto por parentes, na rua, já fui agredida, e isso me reprimiu bastante. Mas sempre tive o apoio da minha mãe. E agora as pessoas estão tendo a oportunidade, alguns têm o apoio da família, mas agora temos a Casa também, tem a Defensoria para apoiar. É todo mundo junto”, relatou Noah Henrique Filipin da Silva, 22 anos, estudante.

Tímido, Noah conta que ficou muito feliz com a possibilidade de ser chamado pelo nome que gosta. “Acho que isso é muito importante porque eu nasci em um corpo feminino, mas nunca me senti bem como o meu nome, e muito menos com o meu corpo. Então, agora foi uma oportunidade porque nem todo mundo tem dinheiro para fazer isso. Aqui, estamos tendo uma oportunidade”, ressaltou.

Os participantes do mutirão, que ocorreu das 8h às 16h, contaram também com a assistência da equipe multidisciplinar da DPMT (ATAI), composta por psicólogas e assistentes sociais, que prestaram apoio psicossocial a todos que solicitaram.

“Aqui, estamos cumprindo nossa missão constitucional de promover os direitos humanos. A Defensoria Pública foi incumbida da missão de assegurar o acesso à Justiça às pessoas vulneráveis. Infelizmente, vivemos em um país marcado por desigualdade, por vulnerabilidades. O papel da Defensoria Pública é a inclusão. Nenhuma pessoa pode ficar à margem do processo democrático do exercício pleno da cidadania”, pontuou Dorilêo.

Cerca de 50 pessoas estavam inscritas para participar do mutirão previamente, das quais 39 compareceram para efetuar a retificação. Além delas, muitas outras pessoas trans também foram até a Casa das Pretas para tirar dúvidas, principalmente sobre a documentação necessária para a alteração do nome e gênero no registro civil.

“Primeiramente, gostaria de agradecer à Defensoria Pública, juntamente com a Casa das Pretas. Isso é maravilhoso para nós, mulheres trans. É importante para a socialização, para a nossa inclusão na sociedade, para termos mais melhoria de vida, mais acesso ao trabalho. Com isso, a gente se sente acolhida”, agradeceu Rhayka Araújo, 33 anos, que também iniciou o processo de retificação.

O mutirão foi promovido pela Defensoria Pública (DPMT), por meio do Balcão da Cidadania e do Núcleo de Defesa da Mulher (Nudem), em conjunto com o Coletivo Negro Universitário (UFMT) e o Instituto de Mulheres Negras de Mato Grosso (Imune-MT).

“Aqui, na Casa das Pretas, desenvolvemos as rodas de conversa com diversos temas LGBTQIA+, cultura negra em uma perspectiva bem mais ampla, para que possamos incluir, de fato, essas pessoas numa sociedade que não as enxergam. Buscar visibilidade quer dizer buscar ações que realmente incluam essas pessoas”, explicou Antonieta Costa, conhecida como Nieta, presidente do Imune.

O Governo do Estado também marcou presença no evento por meio do secretário-adjunto de Cultura, Esporte e Lazer (Secel-MT), Jan Moura. “Trazemos aqui a oportunidade dessas pessoas se expressarem. É importante que essas pessoas apareçam, sejam vistas, e realmente a gente consiga compreender que o mundo não é feito de uma possiblidade de existência, mas de múltiplas possiblidades”, declarou o secretário.

Muitas pessoas trans revelaram já ter sofrido agressões e preconceito – transfobia. Para elas, que se sentem à margem da sociedade, esse tipo de ação traz dignidade para que possam ir atrás dos seus sonhos.

“Para nós, enquanto movimento social negro atuante aqui no nosso estado, é um momento muito feliz estar realizando esse mutirão, sobretudo no que diz respeito à nossa comunidade negra e LGBT. Eu, como travesti, sei da importância de ter o nosso documento com o nosso nome”, salientou Lupita Amorim, coordenadora do Coletivo Negro Universitário.

“É um momento muito importante, o primeiro mutirão da história a ser realizado em Mato Grosso. É um momento em que temos que estar prestigiando e comemorando um direito que é nosso”, celebrou Melissa Cruz, colaboradora do Imune.

O mutirão contou também com a presença do jornalista Clóvis Arantes, presidente da Associação da Parada do Orgulho LGBTQIA+ de Mato Grosso, um dos precursores do movimento LGBT no estado.

“Há mais de 20 anos, a gente vem sonhando com esse momento, em que o Estado, através da Defensoria Pública, os movimentos sociais e as instituições pudessem se juntar para fazer uma questão de cidadania, que as pessaos trans, masculinas e femininas, tenham o direito de ter o seu documento oficializado, para que elas e eles possam existir de uma forma mais cidadã”, frisou.

Arantes destacou a atuação DPMT em prol da população LGBTQIA+. “A Defensoria Pública está de parabéns. Aliás, a Defensoria Pública tem sido parceira em vários momentos com a população LGBTIQIA+. Isso para nós é um marco. Não tem como mais voltar atrás”, disse.

Para Glória Maria Muñoz, assessora da deputada federal Rosa Neide, o dia foi de muita felicidade. “Estou emocionada. Quantas mulheres e quantos homens trans tombaram nessa cidade e nesse estado? E quantos agora estão se sentindo mais cidadãos e cidadãs? É muito especial. Solicito que continuem essa luta pelos direitos humanos, pela cidadania das pessoas trans”, reforçou.

Folhamax

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