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Com informação: folhamax
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição complexa e multifacetada, muitas vezes imperceptível, mas que tem se tornado cada vez mais frequente nos tribunais. Essa realidade foi a base da palestra “Autismo: Compreensão e a Busca por Direitos no Poder Judiciário”, apresentada pelo juiz auxiliar da Vice-Presidência do TJMT, Antonio Veloso Peleja Junior, durante o evento TJMT Inclusivo: Capacitação e Conscientização em Autismo. Com uma sólida formação acadêmica e experiência em questões relacionadas à saúde e ao Direito, o magistrado ofereceu uma visão esclarecedora sobre os principais desafios jurídicos enfrentados por indivíduos com TEA e suas famílias. A palestra abrangeu desde a origem do conceito clínico de autismo até a abordagem do tema nas instâncias superiores do Judiciário brasileiro.
O juiz iniciou explicando o fenômeno da judicialização da saúde, que ocorre quando os cidadãos recorrem ao Poder Judiciário em busca de acesso a tratamentos, terapias ou medicamentos que não estão sendo adequadamente disponibilizados pelo Estado ou por planos de saúde. No caso do TEA, essa judicialização se tornou comum devido à complexidade dos tratamentos, ao alto custo e à falta de uniformidade na oferta de terapias especializadas, como a ABA (Análise do Comportamento Aplicada). “Esses assuntos estão amplamente debatidos nas cortes superiores, como o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e tribunais federais. Muitas vezes, os casos chegam sem a devida reflexão e discussão, deixando os juízes de primeira instância sem diretrizes. Por isso, é crucial observar os precedentes e as posições das cortes superiores”, declarou Peleja.
Ele também ressaltou a importância de decisões baseadas em evidências científicas e suporte técnico, citando a Lei n° 12.764 de 2012 (Lei Berenice Piana), que estabelece a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA, e a Lei n° 14.454 de 2022, que regulamenta a cobertura de tratamentos fora do rol da Agência Nacional de Saúde (ANS). O magistrado mencionou que, segundo o CDC dos Estados Unidos, 1 em cada 36 crianças de 8 anos é diagnosticada com TEA, representando 2,8% da população infantil naquele país. Se esses dados forem aplicados ao Brasil, isso pode indicar mais de 6 milhões de pessoas autistas no país.
Foi discutido também como o sistema jurídico brasileiro, baseado na teoria dos precedentes vinculantes, exige que os juízes considerem as decisões consolidadas das cortes superiores, especialmente em questões técnicas como o acesso a tratamentos de saúde. “Atualmente, não é mais viável julgar de forma isolada. O sistema de precedentes demanda coerência e responsabilidade. Minha apresentação visa abrir um diálogo com os operadores do Direito e com a sociedade. Estamos aqui para esclarecer e demonstrar que o Judiciário está atento e deseja fazer parte da solução”, completou.
Foi apresentada uma lista de direitos garantidos às pessoas com TEA, que podem ser desconhecidos por muitos. Entre as garantias reconhecidas por decisões das instâncias superiores, ele destacou o atendimento pelo SUS com profissionais como psicólogos, terapeutas ocupacionais, psiquiatras, neurologistas, psicopedagogos e fonoaudiólogos, além de clínicas especializadas com equipes multiprofissionais, e a oferta de Atendimento Educacional Especializado (AEE) nas escolas, através de salas de recursos multifuncionais e suporte individualizado. O magistrado também mencionou a possibilidade de acesso à equoterapia como uma abordagem terapêutica complementar, bem como a redução da carga horária de trabalho para pais e responsáveis legais, quando comprovada a necessidade de cuidados intensivos.
Outros tópicos abordados incluíram a necessidade de capacitação de magistrados e servidores, o impacto orçamentário das decisões judiciais, o consequencialismo e a importância de uma abordagem interdisciplinar que envolva profissionais da saúde, educação, assistência social e Direito. “Quando o Poder Judiciário compreende o autismo, ele não é apenas um julgador, mas se torna um verdadeiro garantidor de direitos. Precisamos estar preparados para decidir com base na ciência, na empatia e na legalidade”.
Judiciário humanizado – A escuta sensível, a troca de experiências e o acesso à informação foram os pilares mais valorizados pelo público, que se sentiu acolhido e representado pelo Poder Judiciário ao ver magistrados, servidores e especialistas saindo dos gabinetes para dialogar diretamente com a sociedade sobre inclusão.
A percepção do público sobre o “TJMT Inclusivo: Capacitação e Conscientização em Autismo” também se destacou pelos esclarecimentos e debates envolvendo os direitos da pessoa com deficiência e o papel do Poder Judiciário na promoção da inclusão. O evento foi visto como um marco, especialmente por trazer temas jurídicos de forma acessível e por envolver diretamente magistrados, operadores do Direito e especialistas em ETA em um espaço de escuta e troca com a sociedade.
O servidor Vinícius Reis, diagnosticado tardiamente com autismo, ressaltou o impacto do evento na compreensão dos próprios direitos e na busca por acessos ainda pouco conhecidos. “Esse tipo de debate é essencial, porque mesmo depois de conseguir o laudo, a gente ainda tem dificuldade de saber o que pode ou não pode. Aqui, o Judiciário sai do gabinete e senta com a gente para explicar, ouvir e entender”.
Já para Nisiane Sergel, mãe adotiva atípica, o evento trouxe uma perspectiva singular e potente. Ao compartilhar sua trajetória com o filho, hoje com 15 anos, mas adotado ainda bebê e diagnosticado com autismo tardiamente, Nisiane ressaltou as barreiras enfrentadas por famílias que lutam por diagnósticos, apoio e inclusão efetiva. Além de relatar os desafios, ela reforçou que a informação é um caminho para a transformação e o acesso aos direitos.
“A partir do momento em que tem um profissional trazendo as informações, a gente corre buscar os nossos direitos. Porque a gente não quer um rótulo, a gente quer qualidade de vida, quer inclusão de verdade”.

TJMT Inclusivo – O evento foi promovido pela Comissão de Acessibilidade e Inclusão do TJMT, presidida pela desembargadora Nilza Maria Pôssas de Carvalho, que também é vice-presidente do TJMT, e realizado em parceria com a Escola da Magistratura de Mato Grosso (Esmagis-MT), Escola dos Servidores do Poder Judiciário e prefeituras.
“É isso que nós precisamos. Proximidade da administração com a sociedade, ouvir os magistrados, os servidores e, principalmente, as pessoas. No Brasil, temos cerca de 6 milhões de autistas. Essa é uma preocupação mundial. Essa capacitação vai preparar nossos juízes para lidarem melhor com os casos e com as decisões baseadas em jurisprudência”, destacou a magistrada ao evidenciar a importância da presença da administração do Judiciário no interior e da escuta ativa às demandas sociais.
Já o diretor-geral da Escola Superior da Magistratura (Esmagis-MT), desembargador Márcio Vidal, ressaltou o papel formativo das escolas do Judiciário e a relevância do tema. “É preciso que esse tema seja debatido constantemente. Estamos aqui para levar conhecimento à sociedade, mas também aos nossos magistrados e servidores, que lidam diretamente com o tema, seja no atendimento, seja nos processos judiciais. A judicialização da saúde é uma realidade nos tribunais e dentro dela está a questão do TEA. Se o cidadão não sabe que tem direito, ele não reivindica. Nosso papel é esclarecer e dar base para decisões mais humanas e fundamentadas”.
A iniciativa, que impactou diretamente milhares de pessoas nos municípios de Sinop, Sorriso e Cuiabá, teve o propósito de informar, sensibilizar e preparar o sistema de Justiça para um olhar mais empático, técnico e comprometido com os direitos das pessoas neurodivergentes, especialmente no mês quando é celebrado o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, no dia 02 de abril.
As íntegras dos eventos podem ser conferidas a seguir nos links disponíveis no canal de eventos do Tribunal de Justiça de Mato Grosso no YouTube: Sinop: https://www.youtube.com/watch?v=25OzkYkUZU4&t=9714s, Sorriso: https://www.youtube.com/watch?v=ZPIk59-cdvM&t=3s e Cuiabá: https://www.youtube.com/watch?v=DIwsD7wg0CE.