Psicóloga afirma que Perversão, controle e impunidade estimulam estupradores

O mês de julho está repleto de casos, com repercussão nacional, de estupros e assédio. Houve a menina de 11 anos estuprada e que precisou passar por aborto legal. O tema gerou grande polêmica por conta do interrogatório da menina conduzido pela juíza Joana Ribeiro e proibição de interromper a gravidez. Também situação visita pela atriz Klara Castanho, que engravidou após abordo e doou o bebê para adoção.

Um dos mais recentes e chocantes, foi o caso do médico anestesista Giovanni Quintella Bezerra , que abusava das pacientes durante cirurgia de cesariana. Em Cuiabá, essa semana, um homem foi expulso de ônibus ao ser flagrado se masturbando entre os passageiros.

Infelizmente, situações de abuso, assédio e violência contra a mulher são alarmantes em todo o país. Proporcional ao alto volume de crimes é o julgamento das vítimas e impunidade dos suspeitos.

Para explicar um pouco sobre traços da personalidade dos criminosos e danos causados na vida das vítimas, o GD entrevistou a psicóloga Pollyanna Tavares, que trata há anos mulheres vítimas de violência.

GD: existe alguma explicação cientifica que responda sobre esse prazer/ desejo que homens têm em assediar e mesmo concretizar estupro?

Pollyanna: A estrutura de personalidade é a perversão. Os homens, dentro desta estrutura, vão agir sempre com manipulação, coerção, vão usar do jogo de poder. O poder maior está no poder que tenho sobre o outro. No caso de estupro, que não tem nem 100 anos que é considerado crime. A perversão não é crime, mas o que a pessoa faz com isso é. Existem mulheres perversas? Tem, mas isso é um traço muito mais do homem. Falo isso do ponto da psicanálise, que constatou essas estruturas. Foi preciso criar leis para tentar conter e punir este homem. O homem está acostumado a estar neste lugar de poder.
O perverso vai procurar o prazer. Antes de tudo, o que ele busca é estar no poder. Ai ele vai se utilizar de práticas sexuais para subjulgar a mulher.

GD: existe algum traço de personalidade que possa ajudar a identificar um estuprador?

Pollyanna: Se percebe nos detalhes. As pessoas sempre dão sinais. Seja na fala ou comportamento cotidiano. A gente tem que observar. Temos que desconfiar. Não temos nada que nos defenda. Mas o que observar? A fala, o jeito, o toque, o olhar. Uma fala que envolve subjugação, manipulação, humilhação. Falamos aqui sobre mulheres, mas o perverso vai tentar reduzir mais ainda quem ele acha que está abaixo dele. Um exemplo simples? Você tem um primeiro encontro, vai a um restaurante. O homem vai te tratar bem, falar coisas bonitas, mas veja se a fala dele converge com o comportamento. Veja como trata o garçom, o manobrista. O poder vai vir antes do prazer, o perverso só vai sentir prazer se ele se manter neste lugar de superioridade. Se ele perde oi controle, perde o prazer e aí vem a agressividade, violência, porque ele não pode se sentir desse controle.

GD: quais danos que isso pode trazer para as vítimas?

Pollyanna: Todos. Não existe uma área da vida de uma pessoa que teve o corpo violado que vai ficar imune. As pessoas são um sistema. Ela vai ter problemas na relação no trabalho, com a família, com a autoestima.

Trabalho com mulheres vítimas de violência desde 2012. E todas que vivem relações abusivas na vida adulta, foram violadas na infância. Todas.

Ouvimos por aí muitos questionamentos sobre motivo que elas não saem de relaciomentos assim. Ahh, fulana gosta de apanhar. Mas não é isso. Ela não consegue. Esse é o único tipo de relacionamento que ela conhece. É como se vivesse dentro de uma bolha. Mesmo que ela deseje um relacionamento bom, equilibrado, ela não sabe. Ela não consegue.

Isso impacta no senso de liberdade, em ocupar locais de liderança e em vários pontos da vida. Mesmo com todo o preparo, a violência sofrida ainda irá afetar e fazer questionar tudo. Alteração do senso de capacidade.

GD: na grande maioria dos casos, vítimas ainda se culpam por terem sofrido a violência. Por quê?

Pollyanna: Porque elas buscam uma resposta. Um motivo para o que houve. E, por mais que procure, não vai achar uma resposta que faças ressignificar aquilo que viveu ou que fizeram com você. Sempre vai ser algo no sentido de: o que eu fiz para merecer isso? Buscamos resposta na história, na cultura, que isso já se entranhou tanto em nós, que se naturalizou.

Temos que cuidar e educar nossas crianças, pois se não houve muita conversa dentro de casa, esse menino vai crescer achando que ele é melhor que a irmãzinha.

Essas coisas fazem levantar vários questionamentos: será que foi minha roupa? Será que fui gentil demais? Será que sorri demais ou fui muito brincalhona? Será que fui eu que dei abertura?

A vítima vai trazer a culpa toda para si. Por isso a importância do acompanhamento profissional, pois as perguntas têm que ser diferentes. Não é possível apagar o passado, mas ressignificar ajuda a pessoa a entender de forma diferente. É direito de todos nós sermos felizes.

GD: na sua avaliação, por que, independente de qual situação a vítima esteja, a sociedade ainda busca justificar o crime e as penalidade aos homens?

Pollyanna: Numa sociedade em que o homem avança os limites do outro e não é punido, ele se sente livre. Não tem punição para este comportamento.

Isso acontece porque houve respaldo lá atrás, porque ficaram impunes. Os dados que temos são alarmantes, dos crimes cometidos contra as mulheres, dentro das instituições. Ainda há casos de mulheres que não denunciam porque ficam nesse lugar de culpa. Se assim os números são alarmantes, imagine de todas denunciassem.

Achar que não vai acontecer nada, ser julgada pela família, na delegacia, em locais que deveriam nos acolher.

A própria estrutura de poder dificulta que abusadores sejam penalizados. É um quadro multifatorial. A culpa e o medo paralisam.

JESSICA BACHEGA

Gazeta Digital

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *