Problemas De Alagamento Ocorrem Há Anos E Pesquisador Explica

Foto: Acervo Francisco Chagas / Gazeta Digital

Com informação: gazetadigital

A expansão urbana em busca de “modernidade” a qualquer custo, com o alargamento de vias para veículos, excesso de concretagem, descarte inadequado de lixo e a falta de programas de educação ambiental estão entre os fatores que contribuíram para a enchente ocorrida no último dia 8 de abril, data que marcou os 306 anos de Cuiabá. Considerado um problema crônico da capital, as causas das inundações remontam ao processo de urbanização da região. Essa análise é feita pelo engenheiro sanitarista e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Rafael Pedrollo, que apontou uma série de fatores que levaram ao acúmulo excessivo de chuvas nesta semana, resultando nos alagamentos que afetaram toda a cidade, levando ao cancelamento das festividades organizadas pela prefeitura e causando a perda de veículos, móveis e eletrodomésticos para muitos cuiabanos, além de gerar diversos transtornos e prejuízos.

O problema começa na Cuiabá do século XX. O pesquisador explica que, por volta de 1900, o transporte fluvial era o único disponível. O córrego que nasce no Consil e deságua na região do Porto formava a chamada “prainha”, que era utilizada para o transporte de pessoas e mercadorias entre Cuiabá e o Porto, e deste ponto para o Rio Paraguai, Rio da Prata e outras regiões do país. Com o aumento da demanda comercial e a necessidade de espaço urbano no Centro, a área por onde o córrego passava se tornou bastante valorizada. “Um metro quadrado ali valia mais do que na área onde futuramente seria a UFMT, então as pessoas queriam morar ali por ser uma região valorizada. O marco foi quando, de fato, canalizaram o córrego na década de 60 e o cobriram na década de 70, que era o principal eixo de navegação. Depois, chegaram as rodovias nas décadas de 40 e 50, mas antes disso, o transporte era fluvial”, relembra.

Outro aspecto histórico mencionado por Rafael é a estética arquitetônica “brutalista”, que chegou ao Brasil por volta de 1960, onde o uso do concreto reforçava a ideia de modernidade e progresso. “Estávamos com essas referências e a mentalidade de ‘vamos nos tornar uma população moderna. Vamos colocar concreto em tudo’. Foi quando muitos rios do Sudeste foram canalizados. E como essa região é uma referência até hoje no Brasil, as pessoas queriam replicar aqui o que estava sendo feito lá. […] Assim, criou-se a filosofia de que ‘tapar’ é bom. E esse erro, que consideramos grave na década de 1970, ainda persiste em alguns locais”, afirma.

Na década de 1970, houve a iniciativa de ampliar a avenida devido ao aumento do fluxo de veículos, resultante do crescimento e das migrações para a capital, que se expandia rapidamente. “A alternativa mais fácil e menos inteligente foi cobrir o córrego da prainha e aumentar as faixas para mais carros. A partir daí, a percepção da população sobre a existência dos córregos diminuiu bastante”, explica. Rafael menciona que as consequências dessa decisão começaram a aparecer logo em seguida. O pesquisador, que é engenheiro, detalha que as obras ocorreram em duas etapas: a primeira, em 1960, foi a revestimento do córrego com concreto, mas sem cobri-lo. Na década de 1970, iniciou-se o tamponamento, o que também alterou a dinâmica de escoamento da área.

Segundo Pedrollo, é crucial considerar os dois estados, o coberto e o não coberto, uma vez que a pressão atmosférica atua de maneiras diferentes. Quando o córrego é coberto, a pressão interna faz com que a água seja expelida para fora. “Muitas pessoas que passam pela prainha hoje não têm ideia de que existe um córrego ali. Elas ouviram falar, mas não sabem se ele passa por ali ou por outro lugar. Acham que está sob algumas lojas e esquecem. Isso é prejudicial, pois resulta na perda da percepção do ambiente. Isso dificulta o trabalho tanto de leigos quanto de especialistas quando está coberto”, argumenta.

Conforme o especialista, essa ausência de percepção afeta até mesmo o sistema de coleta de resíduos e a noção de produção de lixo. A menor interrupção no sistema de varrição da cidade ou mesmo a incorreta destinação de materiais interfere no escoamento das águas, já que o lixo contribui para entupir os canais.

Acervo Francisco Chagas

A primeira canalização

 

Para ele, existe uma deficiência na educação ambiental da população e que deveria ser promovida pelos órgãos municipais, estaduais, federais e até mesmo entes particulares. Mas não só isso. Ele indica ainda a conscientização de comerciantes para os 3 ‘r’s, de reduzir, reutilizar e reciclar os materiais, em especial plástico, e questiona a ausência de incentivo a cooperativas de catadores, para que além da correta destinação dos resíduos, também seja gerada renda a população.

 

Outro ponto fundamental é um plano diretor de desenvolvimento da cidade para nortear também as questões da drenagem urbana.

 

“Um município precisa de um plano de desenvolvimento para indicar, onde a cidade vai crescer, o que dar prioridade para infraestrutura. Agora, Cuiabá precisa de um plano diretor de drenagem urbana, que é uma parte do plano de desenvolvimento. As principais literaturas do mundo e do Brasil falam que os municípios que querem melhorar isso tem que fazer o plano diretor. Um plano diretor bem elaborado deve estar sob o abrigo da gestão municipal e também dos órgãos fiscalizadores”, complementa.

Luiz Alves

Prainha em Cuiabá

A reportagem do Gazeta digital entrou em contato com a Prefeitura de Cuiabá para verificar quais ações estão sendo tomadas para mitigar as consequências das enchentes em caso de novos alagamentos e se o município dispõe de elaboração de um plano diretor para o desenvolvimento da cidade, contudo, até o momento não obteve retorno. Espaço segue aberto para manifestações.

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