Parque novo Mato Grosso: Multiplicação dos milhões e muitas camadas de uma obra com pouco a oferecer

Edina Araújo/VGN
Foto: Reprodução Secom/MT

Nenhuma aula dos mais reconhecidos professores de economia, das melhores universidades do Brasil ou do mundo poderia explicar o fenômeno de multiplicação dos milhões da obra do Parque Novo Mato Grosso. É por isso que divido este artigo em algumas “camadas”, tendo em vista que a pauta nos leva à necessidade de olhar para os pormenores desse projeto controverso e totalmente sem transparência.

Em novembro de 2021, o governo do Estado apresentou o projeto do parque multiuso, que está sendo construído entre a Rodovia Helder Cândia – que liga Cuiabá ao Distrito de Nossa Senhora da Guia (MT-010), e a Rodovia Emanuel Pinheiro, na estrada de Chapada.

À época, o cronograma apresentado pelo governador Mauro Mendes previa a entrega da obra em dois anos, ao custo de R$ 150 milhões. Três anos se passaram e muita coisa mudou: uma parte da obra será entregue apenas no último ano de gestão, e o valor a ser gasto apenas na primeira etapa teve um salto de 300%. Ou seja, a população de MT já está pagando por uma obra inacabada o valor de R$ 600 milhões.

Camada dois – autódromo

Outra camada que chama atenção na obra do parque é a construção de um autódromo, cujo anúncio do empreendimento foi feito pelo ex-piloto Nelson Piquet, que para quem não sabe merecia um prêmio de péssimo administrador de autódromos pela sua experiencia desastrosa enquanto teve a concessão do Autódromo Internacional de Brasília. Ao que se sabe, Piquet perdeu a renovação do contrato após uma investigação da Câmara Legislativa do DF, em que técnicos da Casa concluíram que 50% do que estava previsto no contrato de concessão não era cumprido. Entre as falhas detectadas pelos técnicos estão a falta de instalações ambulatoriais, precariedade de instalações físicas como portões, portarias e banheiros, falhas nas pistas de kart e motocross, desorganização na venda de ingressos e indícios de que a concessionária deixou de repassar ao governo os 10% da arrecadação, como previsto no contrato. O resultado é que o autódromo foi entregue em destroços ao Governo do Distrito Federal, totalmente fora de qualquer circuito automobilístico nacional ou internacional.

Quem entende um pouco do assunto sabe que autódromos como este que o governo está construindo no parque Novo Mato Grosso não atendem a população. Atendem uma parcela mínima de pessoas abastadas, que transformam suas paixões por velocidade em uma grande brincadeira, e não geram nenhum retorno para os cofres públicos. O caso do DF ilustra bem isso. No Estado de São Paulo, cresce o número de empreendimentos de automobilismo construídos e bancados por empresários e pilotos apaixonados – e ricos. O governador poderia dar essa ideia para os mato-grossenses interessados no assunto, e não usar dinheiro público para isso.

Cobertura e cereja do bolo – poderia ser mais simples? Claro!

Talvez mais espantosa do que a multiplicação dos milhões e o autorama em tamanho real pago por dinheiro público, seja a obra faraônica anunciada apenas para a cobertura do chamado Espaço Show.

A construção da área de shows tinha valor estimado no edital de R$ 51,8 milhões. Agora, apenas a cobertura do espaço custará R$ 58 milhões, de acordo com Termo de Adjudicação e Homologação assinado pela MT PAR, na contratação da empresa Lotufo Engenharia
A construção da área de shows tinha valor estimado no edital de R$ 51,8 milhões. Agora, apenas a cobertura do espaço custará R$ 58 milhões, de acordo com Termo de Adjudicação e Homologação assinado pela MT PAR, na contratação da empresa Lotufo Engenharia, empresa vencedora da licitação, cujo quadro societário já foi formado pelo senador Mauro Carvalho (PRD), um grande aliado do governador e ex-secretário da Casa Civil do Estado.

Vale atentar para o fato de que a Lotufo Engenharia não tem experiencia na realização de serviços do tipo, e derrotou na licitação uma empresa fundada na década de 70, com larga experiencia no assunto e que apresentou para a MT Par um atestado de capacidade técnica emitido pelo hospital Albert Einstein, por uma das maiores obras em engenharia de vidro do Brasil, realizada para o grupo entre 2022 e 2023.

No atestado, a gerência do hospital afirma que o resultado do serviço foi satisfatório e de boa qualidade. Mesmo assim, segundo a MT Par, a entrega de documentos para habilitação foi “parcial”, o que ocasionou a perda da capacidade de concorrer ao contrato.

Embora o parque seja considerado importante para o setor de eventos de turismo do Estado, a obra toda gera controvérsias e muitas dúvidas. Onde está a transparência dos projetos, do cronograma e do custo real deste megaparque? Que parte dessa obra atenderá os interesses do povo de MT, se o que foi divulgado pelo governo é que o local será concedido para a iniciativa privada? Quem poderá pagar pelos eventos que serão realizados no parque? Qual será o acesso à população a este local? Porque uma cobertura tão suntuosa, que vai custar praticamente o valor de construção um hospital público de médio porte? Por que a vencedora é uma empresa que tem ligação com o governador? Onde estaria uma previsão de receita com realização de megashows em MT? Se até hoje o estádio Verdão não recebeu nenhum show ou festival de porte internacional, por que o espaço show do parque Novo Mato Grosso receberia?

No Brasil, os maiores eventos de música como Rock in Rio, The Town (SP) e outros, realizados por empresas privadas e com vendas de ingressos, acontecem em locais sem nenhuma cobertura. Grandes bandas e cantores tocam em todo o mundo para públicos ao ar livre, a exemplo de Madonna, recentemente em Copacabana, e de Andrea Bocelli, que neste mês de maio se apresentou em diversos estádios do país. O que justificaria a necessidade dessa cobertura a um custo tão elevado? Muitas perguntas, quase nenhuma resposta, e mais uma obra com pouco ou quase nada a oferecer para o povo.

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