O número de mortes maternas aumentou 76% em Mato Grosso em dois anos, segundo um estudo feito pelo Observatório Obstétrico Brasileiro (OOBr). O levantamento também aponta que o índice seria 14% maior se os dados fossem contabilizados corretamente.
Os números apresentados correspondem apenas às mortes de gestantes e puérperas até 42 dias, de 10 a 49 anos. Não foram consideradas mortes cujas causas são externas. O estudo foi apresentado nesta quinta-feira (7), em uma coletiva feita pelas coordenadoras do observatório, Rossana Pulcineli Vieira Francisco e Agatha Rodrigues.
Os números são referentes aos anos de 2019 a 2021. O g1 entrou em contato com a Secretaria Estadual de Saúde (SES) para saber o que o governo tem feito para reduzir esse índice no estado e aguarda um posicionalmento.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), é considerada como um óbito materno a morte de uma mulher durante a gestação ou dentro de um período de 42 dias após o término da gestação, devida a qualquer causa relacionada com ou agravada pela gravidez ou por medidas em relação a ela, porém não devida às causas acidentais ou incidentais.
A professora de obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Rossana Pulcineli Vieira Francisco, explica a diferença entre a morte materna obstétrica e a não obstétrica.
“Vou dar um exemplo: uma gestante que tenha pré-eclâmpsia, que é a hipertensão que só acontece durante a gravidez, e venha e a ter uma convulsão, ou seja, uma eclampsia e falece. Isso é uma morte materna obstétrica e direta. Só aconteceu essa hipertensão porque ela estava grávida. Agora, em outro caso, uma mulher que, ao engravidar já é hipertensa crônica. Durante a gravidez, a hipertensão piora e ela tem, por exemplo, um AVC e vai a óbito. Ela entrará com uma morte materna indireta não obstétrica, pois ela já era doente e a doença foi agravada na gestação”, explica.
Segundo os dados da OObr, em Mato Grosso, foram 155 mortes maternas confirmadas, de 2019 a 2021. O estudo aponta que 22 mortes tiveram a declaração de óbito que apontava para morte de gestante e puérpera até 42 dias, mas não foram incluídas nos dados de morte materna declarados.
Conforme o observatório, em 2019, Mato Grosso registrou 38 mortes maternas, em 2020 foram 50 e em 2021 foram 67.
Em 2020 o aumento foi de 31% em relação a 2019 e em 2021 foi de 76%. Em 2019 não foram contabilizadas dois óbitos, em 2020 cinco e 15 mortes não foram contabilizadas em 2021.
Segundo as coordenadoras, o fato de o número de mortes de gestantes e puérperas ser ainda maior do que o veiculado pelo Ministério da Saúde (MS), conforme estudo e estatísticas expostos, é uma situação preocupante.
“Acreditamos que apenas com dados adequados e transparentes podemos mudar a realidade da saúde pública. A subnotificação de casos de morte materna falseia nossa real situação em relação à morte materna”, diz Rossana.
A coordenadora da OObr e professora adjunta do Departamento de Estatística da Universidade Federal do Espírito Santo, Agatha Rodrigues, afirma que os dados podem ser ainda maior no caso dos abortos, visto que muitos só são contabilizados em casos notificados e há os casos clandestinos, por causa da ilegalidade no país.
“Temos códigos específicos para aborto, seja espontâneo, por condições médicas ou outros tipos de aborto, mas esses são daqueles casos que foram considerados como aborto. Então existe uma subnotificação ainda maior. Conseguimos identificar mas a partir dos dados que foram classificados”, diz.
Razão de Morte Materna
Outro dado preocupante, segundo o estudo, é o de Razão de Morte Materna (RMM), que é o número de mortes maternas por cada 100 mil nascidos vivos. Em Mato Grosso, esse índice é mais alto que a taxa nacional. Esse tem sido o cenário desde 2019, quando a Razão de Morte Materna era 64,5 em Mato Grosso e 55,3 no Brasil.
Em 2020, o número de óbitos de gestantes e puérperas no estado foi de 87,6 a cada 100 mil nascidos, enquanto no Brasil era 71,9. A taxa em 2021 ficou em 116,3 mortes a cada 100 mil em Mato Grosso. O índice nacional foi de 107,4.
No dia 28 de maio de 2018, em reunião da Comissão Nacional de combate à Mortalidade Materna e lançamento da Semana Nacional de Mobilização pela Saúde das Mulheres, o Ministério da Saúde (MS) assumiu a meta de redução de 51,7% da RMM até 2030, que corresponde a 30 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos.
“A tendência é que com a melhora da atenção a saúde , ocorra redução das mortes até 42 dias e aumento das mortes após este período. Se estes dados não forem acompanhados teremos uma falsa impressão de redução na morte de mulheres que adoeceram durante a gestação ao até 43 dias após o parto”, analisa Rossana.
Para a especialista, esses índices só podem ser reduzidos com políticas públicas efetivas para cada contexto, de cada região.
“Eu posso ter uma ideia boa que em um estado resolva o problema e em outro não faça diferença nenhuma. Para melhorar esses índices precisamos da melhoria do atendimento das gestantes que tenham complicações. Precisamos melhorar nossa estrutura hospitalar para as gestantes de alto risco, inclusive aumentando leitos de UTIs destinadas as gestantes e equipes treinadas para o cuidado de gestantes e puérperas”, diz.
KLETLYN MORAES
G1-MT