Grafiteiras e pixadoras protestam no Itaú Cultural contra apagamento feminino na arte urbana

Fonte: Gabriela Moncau – Brasil de Fato | São Paulo (SP)

Foto: Manifestantes espalharam cartazes e faixas na sede do Itaú Cultural – Patzu Orvalho

Dezenas de mulheres ocuparam neste domingo (9) as instalações do Itaú Cultural, na Avenida Paulista, em São Paulo (SP), em protesto contra o apagamento da arte urbana feminina na exposição “Além das ruas: histórias do graffiti”, montada no local.

Com faixas, cartazes e palavras de ordem, as participantes fizeram a leitura coletiva de um manifesto sobre o tema. A palavra “apagamento” foi pintada na calçada do espaço cultural.

Visitantes da exposição acompanharam o manifesto e fotografaram a intervenção. O grupo distribuiu adesivos e pendurou uma bandeira com a frase “não é só tinta” na entrada do espaço.

Participantes denunciaram apagamento da presença feminina na arte de rua / Patzu Orvalho

“Não dá mais para a gente ignorar a presença feminina na cena da arte urbana. É necessário haver reparação histórica do que tem sido feito contra as mulheres na arte urbana, como nós temos sido apagadas e desvalorizadas na cena da arte urbana”, pontuou Pâmela*, uma das participantes do ato e integrante do Todas-Brasil, uma rede latino-americana de mulheres e pessoas queer da arte urbana.

A mostra reúne 76 obras de 51 artistas e segue em cartaz até 30 de julho. “O objetivo do ato é trazer a problemática do Itaú Cultural promover uma ação como essa, que só segmenta arte, promove uma estética única, conta partes de uma história muito individual com um olhar bastante elitizado e masculino”, explica Teresa*, da redegraffiteirasbr.

“Pessoas do graffite e da pixação visitavam a exposição e uma ligava para outra perguntando desde o ‘por que você não estava na exposição?’ até a realidade de apagar pessoas e os coletivos de graffiti. O fato do curador ser quem é já nos deu o alerta”, diz Teresa. Ela se refere ao artista paulista Binho Ribeiro, curador da mostra.

Articulação

Segundo Teresa, a graffiteira Nenesurreal tem uma obra na exposição, colocada em um canto sem visibilidade e com um pedaço do trabalho cortado. Outra artista que também está na exposição, Ziza, também teve sua obra cortada e exposta sem acabar. As duas artistas são negras.

“As poucas mulheres que são escolhidas por eles para estarem nessa história são desvalorizadas, diminuídas, com seus trabalhos colocados de maneira a parecerem menores que os dos homens”, complementa Pâmela.

Depois de uma live em que as graffiteiras Carolina Itzá, Ana Clara, Nenessureal e Nazura problematizaram a exposição, reuniões começaram a se articular. Partes do documentário Entre latas e lutas, feito por estudantes da Faculdade Cásper Líbero e no qual Binho Ribeiro é entrevistado, viralizaram.

Nos trechos recortados, Ribeiro faz comentários como: “Você acaba tendo eventos onde tem toda uma estrutura, às vezes com 30%, 40% de participação feminina. Enquanto 80% dos homens ficam de fora, que participam da cena como um todo. Isso não me parece muito justo”.

Em outro momento, ele opina que “se tem meninas correndo atrás, querendo participar, acho legal ter um chamamento, desde que elas tenham preparo”. Ribeiro diz, ainda, que “quando a menina decide ‘eu vou ser graffiteira’, provavelmente ela não vai conseguir dedicar muito tempo para fazer a unha, fazer o cabelo”.

Centenas de artistas de rua fizeram posts mostrando as mãos. A graffiteira e ilustradora Crica Monteiro foi uma das que, em vídeo, ironizou esta fala.

“As falas retiradas de dentro do documentário revelam bem como o ambiente da arte é elitista, colonizador e misógino”, avalia Teresa. “O que o Itaú e os diversos fomentos e editais promovem, quando não têm o cuidado de garantir várias vozes, é a exclusão. E, para um banco privado que arrecada bilhões e que através da pauta cultural pode usufruir de diversos benefícios econômicos, não existe o que pague a ferida que eles criaram no meio do graffiti.”

Em nota, o Itaú Cultural afirmou ao Brasil de Fato que “está atento e em conversas estreitas com participantes dos movimentos de artistas grafiteiras” que questionaram a exposição.

“A mostra Além das ruas: histórias do graffiti não é e não pode ser um apanhado definitivo da dimensão artística do campo no país, mas sim um recorte curatorial específico”, diz o texto. “Ao dialogarmos com o grupo que questionou a representação, compreendemos ainda mais que devemos seguir ampliando o entendimento sobre a cena das artes urbanas e seus diversos protagonistas.”

Segundo a entidade, ações “a curto, médio e longo prazo” foram idealizadas em contato com o coletivo. A primeira será uma série de quatro oficinas, a serem realizadas em julho com a mostra ainda em cartaz, abordando “as possibilidades de pertencimento, resistência e enfrentamento de mulheres no cenário do grafite”.

* Os nomes das entrevistadas foram alterados para preservação das fontes.

** Matéria atualizada às 17h15 para incluir o posicionamento do Itaú Cultural.

(com colaboração de Felipe Mendes)

Edição: Nicolau Soares

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