A cerca de 80 quilômetros de zona urbana de Cuiabá e isolados às margens da BR-364, cinco homens vivem sozinhos na Casa de Recuperação Betel, sem tratamento médico, nem terapia ocupacional adequada. Eles são dependentes químicos e passam por um “tratamento espiritual” baseado em serviços domésticos e dois cultos diários, sob orientação do pastor Jonas Bispo.
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As comunidades terapêuticas acolhem pessoas que buscam se recuperar da dependência química. Devem utilizar como tratamento atividades laborais, esportivas, recreativas, oficinas profissionalizantes, além de acolhimento psicológico e espiritual. No entanto, quem visita a propriedade se depara com uma estrutura totalmente diferente da necessária para ser moradia de uma pessoa, e principalmente, de pacientes com transtornos decorrentes do uso de substâncias psicoativas.
A Casa de Recuperação Betel possui duas unidades, uma no bairro Novo Milênio, local onde, segundo o pastor, é realizada a triagem. E a segunda onde os homens estão vivendo atualmente. Acompanhada do advogado responsável por cuidar das terras, a reportagem do Olhar Direto esteve na instituição rural na manhã de quarta-feira (16) e pôde observar as condições insalubres em que os dependentes são submetidos.
Sem alvará sanitário e de funcionamento, os recuperandos se dividem em três cômodos pequenos com paredes de alvenaria e tábuas com telhas de eternit. Camas de madeira improvisadas e banheiro externo sem água encanada e com esgoto à céu aberto também são utilizados pelos dependentes. A Vigilância Sanitária informou desconhecer a existência do local.
Logo que a reportagem chegou ao local, um recuperando compareceu na porteira de madeira, onde o nome da comunidade é esculpido ao lado do desenho da bíblia sagrada com um versículo: “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres”. (João 8:36)
De chinelos e usando calça e camiseta preta, o homem, que agia como responsável pelos demais, se mostrou relutante com a entrada da reportagem no local. Ligou repetidas vezes para o pastor Jonas e também gravou vídeos para enviar ao líder religioso dizendo que não havia “autorizado” a entrada.
Durante apuração na comunidade, alguns moradores conversaram brevemente com a reportagem sobre a rotina no local. Eles demostraram interesse em contar outros detalhes, mas foram impedidos pelo líder, que em dado momento levou todos para os quartos fechou as portas. Antes de serem levados, um deles relatou ter saído da unidade urbana para a rural há cerca de três semanas. Ali, disse que trabalhava cuidando do gado do pastor. Cerca de 10 vacas pastam aos fundos da casa.
Em uma das poucas perguntas respondidas, o líder do grupo negou que os outros moradores ajudam a cuidar do gado. Disse que ele mesmo dá conta de tudo e diariamente tira de “dois a três litros de leite”. Questionado se os moradores recebiam ajuda de algum profissional da saúde, o homem disse que não podia responder à perguntas pois os moradores poderiam ser prejudicados.
O descaso na Casa de Recuperação Betel continua. Não há qualquer orientação médica, psicológica ou acompanhamento profissional para esses homens que passam o dia cuidando da propriedade e do gado do pastor.
O líder conta que as atividades simples “para ocupar a cabeça” fazem parte da laborterapia. No entanto, para especialistas, a laborterapia deve ser usada como uma aliada do tratamento médico e não o método principal para um dependente químico.
Alguns metros após a entrada da propriedade, uma espécie de tanque praticamente seco impede a passagem direta até a casa. Quem se aproxima precisa passar ao lado de um púlpito improvisado com alguns bancos para cultos celebrados pela manhã e noite.
Tratamento espiritual
Procurado pela reportagem via ligação, o pastor Jonas disse ser vítima de perseguição, que a casa possui todas condições necessárias para abrigar e acompanhar os moradores. “Eles têm acompanhamento sim, lá é uma casa de recuperação, não é clínica. É um trabalho social em que estamos ajudando pessoas que realmente querem ajuda, um retiro espiritual”, afirma.
Com relação a unidade no bairro Novo Milênio, o pastor explicou se tratar de local para triagem. “É uma triagem, eu pego aqui e encaminho para lá, o que querem tratamento espiritual, com a Bíblia e palavra de Deus. Eles ficam uma semana e descer pra lá”.
A chácara teria sido cedida há mais de dez anos para uso da Casa de Recuperação por um homem já falecido. Porém, Jonas diz ser o dono da chácara, inclusive afirma ter documento. A reportagem pediu o documento para anexá-lo, mas o pastor se esquivou. “Você está entrando em um caminho onde você não sabe o que está fazendo. É um trabalho sério, que está visando ajudar as pessoas, com intuito de tirar da rua”, disse.
“Estamos fazendo um trabalho sério, já venho fazendo esse trabalho há muito tempo, temos resultado, não tem fins lucrativos, é visando tirar [da rua] realmente pessoas que precisam de ajuda, estamos ajudando e elas têm conseguido. Eu tenho mais de 100 pessoas restauradas que podem dar testemunhos do que foi feito, hoje está na sociedade trabalhando, tocando sua vida normal”, acrescentou.
Para Jonas, a “recuperação” acontece com realização dos serviços da propriedade e dois cultos diários. “Eles levantam, faz a oração/culto da manhã, vão limpar os quartos, arrumar as camas, fazem o café da manhã e eles fazem terapia que é manter o ambiente limpo, o quintal, ao redor, é uma região de chácaras, então, tem que manter limpo”.
Ainda conforme o pastor, o lugar é privado, sem fins lucrativos e vive com doações dos familiares dos recuperandos. “Lá não é cobrado, é gratuito e eu faço isso de coração, com amor e carinho. Devido as condições que eles estavam, é pior do que essa, porque estava na rua, na sarjeta, não tinha comida. Lá eles têm três refeições, tem almoço, lanche, tem tudo”.
